terça-feira, 22 de junho de 2010

A carta

O dia amanheceu sob uma neblina incomum. Na verdade, não sei se fui eu ou o dia quem amanheceu diferente. Com a ponta dos dedos e do nariz gelados, fui até a rua e respirei fundo. Procurava algo como aquele cheiro verde da primavera, mas a única coisa que pude sentir foi a ardência fria do inverno. Olhei para o céu, e sob a luz do sol, sentí meu rosto enrrijecer-se num sorriso falso.
Lembro-me muito bem dos meus dias frios. Costumo guardar na memória cheiros e temperaturas. O cheiro ardente e o frio que gelava até o último fio de cabelo me trouxeram lembranças boas, e foi isso que salvou meu dia, pois descobrí que o inferno é gelado, e não quente como dizem. E eu estava nele...
Em dias como esses gosto de caminhar por aí, procurar um pouquinho de mim em cada lugar. Com pedras no caminho e flores na mão, vou deixando um pedaço a cada passo. Vez ou outra volto, como João e Maria atrás das migalhas de pão, procurando o caminho de volta, descobrindo de onde eu vim, pra talvez descobrir pra onde vou. Essa trilha de migalhas me levou até algum dia proximo ao mês de julho de 2005. Foi ali que tudo começou. No escuro do quarto, o único som audivel era a voz que dizia: escrevo-te essas mal traçadas linhas, meu amor, porque veio a saudade visitar meu coração. No outro dia, a carta realmente seria entregue. Em algumas horas, mais precisamente, pois já era alta madrugada, talvez tarde demais. Talvez tu não a leias, mas não importava, porque aquela era a última chance. A despedida derradeira. Ao me apaixonar por ti, não reparei que tu tivestes só entusiasmo.
Aquela noite estava tão fria quanto a manhã em que acordei hoje. Voltei à Assis Brasil, onde havia me perdido no passado. Começo a achar que o frio ardente é alucinógeno...
E para terminar, amor, assinarei:
             Do sempre, sempre, teu

Thiago M. Lacerda


Os trechos em itálico foram retirados da música A carta, de Erasmo Carlos e Renato Russo

2 comentários:

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