quinta-feira, 19 de maio de 2011

Meus erros

Ainda era jovem. Tinha apenas quinze anos, mas achava que tinha tudo. Pensei que o mundo parava para me escutar, para me observar. Para mim, nada acontecia sem que eu estivesse lá, sem que eu estivesse sabendo, sem que eu quisesse. Na realidade o que eu tinha era um quarto, o dinheiro dos meus pais e meia dúzia de amigos verdadeiros. Mas não, eu achava que era especial, que meu intelecto guiava o mundo e sem mim ninguém existia. E por um bom tempo foi assim. Meus verdadeiros amigos foram deixados de lado para que eu tivesse tempo para aquele que me bajulavam. Esbanjei o dinheiro dos meus pais com festas que eu não queria ir, com coisas supérfluas que eu não queria comprar e seus conselhos por falsos amigos.
De repente tomei um tapa. Aqueles que estavam ao meu redor se voltaram para outro recém-chegado e desavisado. O dinheiro dos meus pais acabou. Eu já não era mais tão simpático, nem tão bonito, nem tão inteligente, tampouco dedicado. Senti-me desabrigado. Como um mendigo que, outrora milionário, perde a mansão, a mulher, os bens e vai viver sob um velho viaduto. Meu quarto não era mais tão grande e nem tão movimentado. Meus violões pareciam mais empoeirados, e como que por mágica, meu computador, celular e videogame tornaram-se velhos e obsoletos, substituidos por novissimos modelos que todos os meus antigos amigos possuiam.
Foi nos velhos amigos, que há muito deixara para trás, que descobrí que nada havia mudado. Ou melhor, não para mim. Descobri que aquela vida badalada, tumultuada e rodeada de amigos e amores foi uma fase. Um ápice emocional. Um rápido momento onde o sol aparece entre as nuvens, mas rapidamente volta a se esconder. Mas até os dias mais nublados tem sua beleza, e foi com as pessoas que realmente gostavam de mim que descobri que um dia ensolarada nem sempre é o melhor que a vida pode te oferecer. Desses amigos, guardo muita lembranças boas e milhares de lições. Dos outros, não guardo sequer uma mágoa. Deles, levo somente o aprendizado que vem com os erros.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A paciencia

Como de costume, chovia. A rua estava deserta. Caminhei por uma rua suburbana de casa simples mas charmosas. Passei em frente à um galpão. Pelas portas escancaradas ví um homem de feições um pouco rudes, com as roupas e apele suja de poeira e fuligem. Com marreta e talhadeira em punho, ele golpeava um imenso bloco de pedra. Como a chuva tivesse aumentado, convidou-me a me abrigar ali. Disse-me que era escultor e que acabara de começar uma nova obra. Conversamos enquanto ele continuava batendo no mesmo ponto.
Contou-me sobre a familia, os filhos, a vida na cidade. Desde sempre fora escultor. Ainda muito jovem herdara do pai as ferramentas e o carisma, assim como a responsabilidade de cuidar da mãe e dos irmãos. Da horta e da criação a mãe tirava o sustento, mas ele queria mais. Queria dar estudo aos irmãos. Nunca fora em escola, mas sabia que os irmãos não teriam futuro sem estudos. Trabalhou noite e dia.  
A este ponto eu ja me incomodava com as batidas incessantes. Desde que eu chegara, nenhuma rachadura sequer havia surgido na pedra. Percebendo minha incomodação, parou e perguntou o que havia. Meio constrangido  perguntei a finalidade de tudo aquilo. Disse-me o seguinte: 
- Os jovens esperam tanto que algo desfaça o tédio que quando acontece eles nem percebem.
Sentí-me encabulado, mas voltei a escutar sua história. 
Com o tempo, ganhou muito dinheiro, revertido em cursos e faculdades. Hoje os irmãos moram na capital, e ensinando seu filho, ele completa o ciclo da familia. Perguntei se não queria que o filho estudasse e tivesse outra profissão. Foi então que me respondeu:
- É isso que eu desejo. Dei-lhe os melhores professores, os melhores cursos e faculdades. Mas não abdiquei de ensinar-lhe meu oficio, pois esse lhe mostrará os valores da vida e a importância da paciência e perseverança.
Antes que eu pudesse perguntar-lhe o significado daquilo, um estrondo tirou-me a atenção. Sob a marreta e a talhadeira, o enorme bloco de rocha quebrou ao meio. Como se cortado por maquinas industriais, haviam agora dois blocos extremamente lisos em todos os lados. O escultor olhou-me com olhos de um pai que ensina ao filho, e naquele momento entendí que não foi a última pancada que quebrou a pedra, mas sim todas as outras que a antescederam.