quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Triste partida

Sentado na cadeira de balanço, de olhos mareados, ele pensa: "Lá se vai mais um pedaço de mim".
Nunca tentara mudar. Na juventude, fazia o que queria. Durante toda a vida, fez somente o que lhe passou na cabeça. Mesmo conhecendo seu erro, nunca tivera o trabalho de pedir perdão. Aquelas pessoas não mereciam sua humilhação. Ora, perdão. Quem são eles pra me perdoar?
O tempo passou, e com ele o vigor da juventude. Tornou-se fraco, esguio. Os ossos lhe saltavam sob a pele. As olheiras oriundas da farra e das noitadas foram substituidas por olheiras ainda maiores, ocasionadas pelas noites a fio em que o sono fugiu, e a culpa apoderou-se do coração. Coração? Diziam que ele não tinha. Mas ao envelhecer, conseguiu sentir aquele pedaço de carne esburacado. Hoje ele sabe que tem um coração, pois não pára de doer. Foi atrás de médicos, de curandeiros, mas todos eles disseram a mesma coisa: Não há remédio humano que te cure.
Na velha cadeira de balanço criou raízes, pois a dor no coração tranformou-se em mágoa, e a mágoa transformou-se em imensa tristeza, que trouxe consigo a falta de vontade, o medo do mundo. Por isso, atou-se emocionalmente á cadeira de balanço, pois foi a unica coisa que não lhe fugiu ao controle. Somente aquela cadeira aguentou seus anos de soberba. Os outros tiveram de ir embora. Tentaram lhe ajudar, mas tinham suas próprias vidas a seguir. O único que ficou foi aquele velho, que pelo descaso da tristeza deixou com que a barba e os cabelos crescecem. Parou de comer. Não sentia mais prazer em nada. Tudo que lhe restou foi a saudade.
Com um nó eterno na garganta, respirou fundo e sentiu as batidas do coração. Uma. Duas. Três. Quatro... Silencio. Veio então o suspiro derradeiro. O corpo afrouxou-se sobre a velha cadeira, mas não havia ninguém lá para lhe socorrer. Ninguém iria chorar sob seu túmulo. Morreu de velho, então, o Arrependimento, sem amigos, sem familia, e sem ter conseguido mudar sua vida...

Thiago M. Lacerda

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Aquela ideologia

- A sociedade está podando seu futuro! Sim, é com uma frase de impacto que começo esse discurso, pois se nada, até agora, pôde mudar a mente humana, só entrando de sola mesmo. Enfim, como está podando? Preste atenção nas salas de aulas. Qual a diferença entre elas e a cama onde as crianças dormem? Em ambos elas sentem sono, mas pelo menos na cama elas podem sonhar. 
- A quem responder de forma espirituosa essa pergunta, dou todos meus bens! O que o sistema educacional ensina de produtivo aos nossos alunos? Uau, eles aprendem a resolver contas com logaritimos. E, importantissimo, são ensinados a diferenciar um sujeito composto de um simples. E agora, novamente a pergunta: O que o sistema educacional ensina de PRODUTIVO aos nossos alunos?

A cada nova palavra, o povo exaltava aquele jovem político. Em praça publica resolvera fazer seu discurso. Sem acessoria de imprensa, subira em um banco e desatara a falar, não o que lia em um IPad ou em um bloco de anotações, mas o que saia da mente, o que dizia o seu coração. Às nove horas da manhã de segunda-feira, cerca de 200 pessoas paravam ao lado do Mercado Público para ouvir aquela figura até então pouco conhecida. E ele prosseguia:

- O que o mundo está fazendo aos nossos jovens? São como plantas que precisam de água para crescer e sobreviver. E nós, o que fazemos? Colocamos o regador longe do alcance delas e dizemos: Vem, te esforça absurdamente e bebe água. Porque!? Porque fazemos com que o objetivo dessa juventude seja estudar, estudar e estudar!? Porque colocamos como meta um vestibular ou um diploma, se o objetivo das plantas não é a água, mas sim o céu? Temos que regar essas plantas com toda a nossa água, com todo o nosso conhecimento, mas de forma suave, pra que não se afoguem, e ensina-las que seu objetivo é  céu. O vestibular, o diploma, as boas notas, o estudo, são como a água para a planta, mas nunca como o céu. Pois o céu da nossa juventude deve ser uma sociedade mais unida, uma vida digna a todos!

Cada vez mais transeuntes paravam para ouvir aquele rapaz engravatado que, debaixo de um sol quente e incomun de inverno, discursava idéias nunca antes vistas. Sob aplausos alucinados, o jovem terminou seu discurso e desceu do banco. Alguns o cumprimentaram. Um, em específico deu-lhe um presente: Uma bala no lado esquerdo do peito. Todos aqueles observadores fanáticos ficaram chocados com o disparo repentino. O assassino fugiu. As pessoas retomaram suas vidas. E aquela ideologia inovadora morreu, pois ninguém se deu ao trabalho de planta-la em sua mente. Hoje em dia, boas idéias não vivem pra contar história...

Thiago M. Lacerda

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Meus erros

Ainda era jovem. Tinha apenas quinze anos, mas achava que tinha tudo. Pensei que o mundo parava para me escutar, para me observar. Para mim, nada acontecia sem que eu estivesse lá, sem que eu estivesse sabendo, sem que eu quisesse. Na realidade o que eu tinha era um quarto, o dinheiro dos meus pais e meia dúzia de amigos verdadeiros. Mas não, eu achava que era especial, que meu intelecto guiava o mundo e sem mim ninguém existia. E por um bom tempo foi assim. Meus verdadeiros amigos foram deixados de lado para que eu tivesse tempo para aquele que me bajulavam. Esbanjei o dinheiro dos meus pais com festas que eu não queria ir, com coisas supérfluas que eu não queria comprar e seus conselhos por falsos amigos.
De repente tomei um tapa. Aqueles que estavam ao meu redor se voltaram para outro recém-chegado e desavisado. O dinheiro dos meus pais acabou. Eu já não era mais tão simpático, nem tão bonito, nem tão inteligente, tampouco dedicado. Senti-me desabrigado. Como um mendigo que, outrora milionário, perde a mansão, a mulher, os bens e vai viver sob um velho viaduto. Meu quarto não era mais tão grande e nem tão movimentado. Meus violões pareciam mais empoeirados, e como que por mágica, meu computador, celular e videogame tornaram-se velhos e obsoletos, substituidos por novissimos modelos que todos os meus antigos amigos possuiam.
Foi nos velhos amigos, que há muito deixara para trás, que descobrí que nada havia mudado. Ou melhor, não para mim. Descobri que aquela vida badalada, tumultuada e rodeada de amigos e amores foi uma fase. Um ápice emocional. Um rápido momento onde o sol aparece entre as nuvens, mas rapidamente volta a se esconder. Mas até os dias mais nublados tem sua beleza, e foi com as pessoas que realmente gostavam de mim que descobri que um dia ensolarada nem sempre é o melhor que a vida pode te oferecer. Desses amigos, guardo muita lembranças boas e milhares de lições. Dos outros, não guardo sequer uma mágoa. Deles, levo somente o aprendizado que vem com os erros.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A paciencia

Como de costume, chovia. A rua estava deserta. Caminhei por uma rua suburbana de casa simples mas charmosas. Passei em frente à um galpão. Pelas portas escancaradas ví um homem de feições um pouco rudes, com as roupas e apele suja de poeira e fuligem. Com marreta e talhadeira em punho, ele golpeava um imenso bloco de pedra. Como a chuva tivesse aumentado, convidou-me a me abrigar ali. Disse-me que era escultor e que acabara de começar uma nova obra. Conversamos enquanto ele continuava batendo no mesmo ponto.
Contou-me sobre a familia, os filhos, a vida na cidade. Desde sempre fora escultor. Ainda muito jovem herdara do pai as ferramentas e o carisma, assim como a responsabilidade de cuidar da mãe e dos irmãos. Da horta e da criação a mãe tirava o sustento, mas ele queria mais. Queria dar estudo aos irmãos. Nunca fora em escola, mas sabia que os irmãos não teriam futuro sem estudos. Trabalhou noite e dia.  
A este ponto eu ja me incomodava com as batidas incessantes. Desde que eu chegara, nenhuma rachadura sequer havia surgido na pedra. Percebendo minha incomodação, parou e perguntou o que havia. Meio constrangido  perguntei a finalidade de tudo aquilo. Disse-me o seguinte: 
- Os jovens esperam tanto que algo desfaça o tédio que quando acontece eles nem percebem.
Sentí-me encabulado, mas voltei a escutar sua história. 
Com o tempo, ganhou muito dinheiro, revertido em cursos e faculdades. Hoje os irmãos moram na capital, e ensinando seu filho, ele completa o ciclo da familia. Perguntei se não queria que o filho estudasse e tivesse outra profissão. Foi então que me respondeu:
- É isso que eu desejo. Dei-lhe os melhores professores, os melhores cursos e faculdades. Mas não abdiquei de ensinar-lhe meu oficio, pois esse lhe mostrará os valores da vida e a importância da paciência e perseverança.
Antes que eu pudesse perguntar-lhe o significado daquilo, um estrondo tirou-me a atenção. Sob a marreta e a talhadeira, o enorme bloco de rocha quebrou ao meio. Como se cortado por maquinas industriais, haviam agora dois blocos extremamente lisos em todos os lados. O escultor olhou-me com olhos de um pai que ensina ao filho, e naquele momento entendí que não foi a última pancada que quebrou a pedra, mas sim todas as outras que a antescederam.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Crítica ao ensino

Não crescí sob poda. Nunca tive limites culturais a seguir. Não me enquadro nas escolas comuns. Não me enquadro nas faculdades comuns. Copiar e colar, definitivamente, não é a minha praia. Meu caderno nunca esteve em sintonia com algo que não fosse minha própria mente. Isso quando eu tinha cadernos.
Meus professores não compreendiam. Meus colegas, tampouco. Por isso minha vida escolar, de inicio brilhante, foi turbulenta e genial. Onde a sociedade de ensino me permitiu, tive ápices de genialidade, mas além dessas brechas, uma vida medíocre e angustiantes. Uma sensação deque se cresceu mais do que o espaço permitia me acompanhou atéa faculdade.
Saí. Me desprendí das fundações do ensino moderno. Fugí antes de tornar-me um papagaio, um HD de computador. Não adquiri titulos acadêmicos nem diplomas, mas conseguí escapar ainda com liberdade de pensamento e expressão. Hoje, estudo na faculdade da vida, e sem previsão de formatura...

quarta-feira, 30 de março de 2011

Bauman

O relógio no canto da tela marca três horas. Há cinco estou mirando a tela sem absolutamente nada a escrever. Cinco horas e nem uma palavra. Na verdade foram várias palavras, mas nada que pudesse ser considerado um pontapé inicial. O tempo aumenta a pressão. É, acho que deveria ter comprado aquela máquina de escrever. Pelo menos não estaria há cinco horas olhando para um caixa que emite luz. Meus olhos agradeceriam. Mas cá estou, sem máquina de escrever, sem frio, sem uivo do vento. Só uma noite clara e abafada, exatamente como as noites típicas de verão.
Preciso escrever um conto. Apenas um. Lembrei-me de Bauman. O conto é liquido, se adapta a qualquer recipiente. De tão liquido me escorre pelos dedos e derrama-se noite a fora. Meu conto deve estar por ai, em uma poça qualquer, prestes a evaporar aos primeiros raios de sol. É, acho que hoje não é a minha noite. Talvez o céu desabe meu conto novamente. Sonhos. Um conto não cai assim do céu. Mas, como água pode simplesmente chover sobre mim? Quem dera o conto fosse liquido. Zygmund Bauman estava errado. Se bem que, se não fosse liquido, como eu o perderia tão facilmente?
Deu! Chega! Nada de computador. Nada de máquina de escrever. Eu vou é pegar papel e caneta e escrever na banheira.

Thiago M. Lacerda

sábado, 26 de março de 2011

Eu Creio

Cruzei as noites. Não no verão. No calor, a noite passava em branco para mim. Mas no inverno. Não guardo más recordações do inverno. Não sou nenhum mendigo, morador de rua. Não quero que sintam pena por não ter um lar onde se esquentar durante o frio. Não tenho toca para hibernar até que o verão volte. Gosto disso. Não preciso de cobertores ou casacos porque o frio me aquece. Como uma manta acolhedora o vento gelado das noites de inverno me envolve, me acalenta, me nina e faz-me sentir em casa. Minha casa é qualquer lugar. Minhas raízes estão no ar, diz a canção. Por onde o vento sopra, lá vou eu, arrastado pela familiridade que o ar frio me causa. Repito, não quero pena. Não preciso disso. A estação não é ruim. Há quem prefira praia e sol, mas pra mim, frio, noite iluminada pelos postes, vento gelado no rosto... isso é que é vida. Ouso dizer que me sinto até mais inteligente no inverno. É nessa época que paramos para pensar na vida, nos acomodamos depois das loucuras de verão.
Lembro-me de uma vez em que, sentado na calçado, uma senhora perguntou-me se o frio não me chateava, não incomodava. Fico chateado quando a corda do meu violão arrebenta. Me chateio quando minha roupa rasga. Me incomoda quando o ônibus me dá uma banho na sargeta. Frio não me incomoda. Chuva também não me incomoda. Claro, não me arrisco nela. A pior coisa pra minha profissão é ficar resfriado. Ser vagabundo hoje em dia não é facil. Mas debaixo de uma marquise, Deus me dá o imenso prazer de observar uma obra de arte, um quadro em movimento. A chuva refletida nos postes antigos do centro de Porto Alegre é algo magnífico. Cada gota caindo sobre o paralelepípedo, dando-lhe maior relevo do que realmente tem, e em seguida escorrendo pela rua da Ladeira. Nem as árvores, que durante o dia cobrem os raios de luz, são capazes de conter a água que cai do céu. Acima disso tudo, a cruz. A imensa cúpula emoldurada pelo céu meio negro, meio cinzento, permanece lá, sólida, concreta, intacta, quase viva. Há alguém me observando. Não vejo vultos. Nem um movimento no alto do santuário enxarcado. Talvez seja alguém um pouco acima. Na moldura...

Thiago M. Lacerda

sexta-feira, 4 de março de 2011

Não aprendí a amar

Certa feita, estava eu em uma cidadezinha do interior. O inverno estava sendo rigoroso, e ao longe vi um belo casal caminhando na praça do chafariz. Conversavam serenamente. Na calçada, a capa do violão aberta, eu tocava sem me importar muito com o mundo. Mas confesso que aquele casal me chamou atenção. A canção entrou no piloto automático e, não sei se pela beleza de ambos ou pela briga que começara sem aviso, eu só prestava atenção nos dois.
O frio tornava aquele lugar quase mágico. O chafariz, as luzes, os banco, as árvores. A igreja ao fundo. Deus via tudo. Aquela briga não combinava em nada com o lugar. O casal que minutos atrás parecia feito para aquela imagem agora se destacava em meio à calmaria.
Mas diz porque tu vais embora. Mas diz porque tens tanto medo. De repente voltei à minha música. Enquanto dedilhava o violão, voltei ao dia em que partí. Porque fui embora? Tive medo? Depois de muito pensar, cheguei a conclusão de que eu não nasci para conviver com os outros. Tenho medo de longos relacionamentos. Não entendo como duas pessoas podem ser melhores amigos. Não acredito nesse tipo de amizade. Enquanto morei com meus pais, tive muitos amigos, mas nenhum igual aos amigos que conquistei na estrada. Talvez a maioria nunca mais me veja. Assim como não carrego saudades, creio que eu não seja uma figura sempre lembrada por todos, mas o que ficaram para as minhas histórias com certeza foram importantes, pois me ensinaram algo. Assim como esse casal, que me fez relembrar um dos motivos de ter partido. Nunca soube seus nomes, mas sei que observando-os sentí medo. Medo de relações longas, de muita aproximação. Intimidade demais é prejudicial à saude. Dezessete anos me fizeram compreender que o ser humano é livre, e que as pessoas tendem a prender-se umas às outras. Nunca me acostumei a esse tipo de relação. E assim descobri porque levo essa vida errante.
Depois de um longo beijo, os dois pararam de brigar. Admiraram um pouco o chafariz, deram-me algumas moedas e se foram. Levante-me e comprei um café.

Me apresento

Peço desculpas por não avisar, por ir embora, por não ter amado tanto. Principalmente, peço desculpas por não ter saudade. Não sei como estão agora. Não preciso saber como estão agora. Mas na vida que levo, não há espaço pra saudade. As pessoas que conheço, deixo onde estavam. Comigo só levo a viola, meu amor próprio, minha fé e a vontade de seguir por ai. Como um carro sedento por estrada, meus pés só descansam no asfalto, na eminência de um novo lugar. O mundo me dá tudo de que preciso. Tomo banho, faço a barba, almoço, janto, leio jornal, livros, toco violão. Ganho dinheiro do mesmo modo como o gasto. As pessoas tem necessidades que muitas vezes não conseguem saciar, e para isso existe o trabalho alheio. Caminhando por ai já encontrei dezenas, talvez centenas ou milhares de pessoas precisando de um serviço; qualquer serviço: pedreiro, carpinteiro, músico, pintor, officeboy... Graças a Deus, sempre existiu a necessidade de algo por onde passei. Graças a Deus, sempre tive tudo que precisei. Graças a Deus, sempre tive Deus comigo.
Não lembro exatamente quando decidi sair, muito menos porque. Talvez alguma desilusão amorosa, desgaste familiar. Realmente não lembro. Sei que tinha 17 anos, um diploma do ensino médio, um violão, dinheiro guardado e roupas boas. Cresci em meio a uma familia de classe média como outra qualquer: pai, mãe, irmão, tios, primos, avós... Pelo esforço do meu pai, estudei em bons colégios, fiz cursos... Me sinto ingrato quando penso nisso, mas aquela não era a minha vida. Em dado momento, coloquei minhas coisas numa mochila, o violão nas costas e partí.  No inicio, eu não tinha a menor ideia de onde ir. Até hoje não tenho. Passei quase uma semana numa pousada caindo aos pedaços, no centro da cidade. Cinco ou seis dias. Também não lembro. Pensei em voltar. Na verdade, foi a única vez que pensei em voltar.
Naqueles dias refletí muito. Cheguei a uma conclusão: Meus tênis tem uma sola bem grossa e meu violão me dá diversão e dinheiro a qualquer hora. A sola não era tão grossa e o dinheiro não era tão facil, mas decidi seguir, caminhar por ai. Passei por muitos lugares. Não sei onde. De cada lugar que passei, a única coisa que levo é o aprendizado. Para trás deixo os amigos, as mulheres, e o dinheiro. Também não carrego vícios.
Tive muitas oportunades nessa vida. Poderia ter sido um músico famoso, um publicitário conhecido, um advogado, dentista, jornalista. Mas decidi-me por ser vagabundo, profissão que com prazer exerço até hoje. Sou também contador de histórias, e se quiserem saber a minha, é com prazer que lhes contarei.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Há tanto tempo...

Viu-se de repente em meio à penumbra. Esquecera-se de tudo que um dia fora seu.Não mais lembrava dos amigos, das festas. Não era ruim. Simplesmente um ponto de vista diferente. Queria sentir falta de tudo e de todos. Se esforçava, mas não conseguia. Por incrivel que pareça, não mais sentia aquela inquietação por não estar como todos eles, por não ser um deles. Aquela vontade louca de sair porta a fora sem se importar com nada nunca mais assolou-lhe o coração. Muitos sentiam saudades. Diziam que esse novo rapaz não era nem de longe o mesmo de outrora. E realmente não o era. Mas apesar de todos se prostrarem contra essa mudança, ele não tinha vontade de voltar, ele não sentia necessidade de mudar.
De tanto se esforçar, já não diferia as coisas. Não mais sabia se ele havia mudado o suficiente para afasta-lo das pessoas, ou se as pessoas ao redor haviam mudado tanto que enterraram toda a saudade que fazia-os unidos. Provavelmente as duas coisas. O mundo não era mais folia, bebida e agito. As lentes haviam mudado, e o mundo parecia completamente diferente aos seus olhos. Mas assim como o anteiror, esse novo mundo as vezes parecia a beira do colapso. Prestes a ruir. Talvez o mundo antigo realmente tenha sumido, se divido, e por sobre as fendas ninguem podia passar. Realmente, era isso, cada grupo separado pelas imensas fendas remanescentes da destruição do mundo, e agora, separados pelo espaço e também pelo tempo, cada um criava o seu novo mundo, com os que ficaram a sua volta.
Todas noites, antes de dormir, era isso que ele pensava. Esse ciclo de pensamentos espantava-lhe o sono e deixava mais atento ao mundo. E como sobrevivente de um mundo destruido, as sequelas e o panico daquela época ainda lhe assombram às noites a cada pequeno tremor...

Thiago M. Lacerda

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Artificial

Com as têmporas latejando, ele sentou-se à frente do computador. Há algum tempo não escrevia, mas de súbito sentia que naquele momento algo interessante sairia. Andara se perguntando se aquela tecnologia toda não espantava a criatividade. Na verdade, seu estilo não era aquele. Provavelmente uma maquina de escrever em quarto mal iluminado se encaixaria muito melhor em seus textos. Mas ali estava, olhando para aquela tela iluminada, onde as coisas apareciam e sumiam com facilidade.
A dor nas têmporas aumentou, e o cheiro de sangue surgiu de dentro das narinas. Não sabia exatamente o que escrever, mas a vontade de tal ato lhe impedia de ir dormir. Já eram quase três horas da manhã, e depois de um telefonema, o sono havia partido. Talvez toda aquela situação tivesse recuperado um pouco da inspiração. E de fato ela voltou, pois os dedos se mexiam de lá pra cá, no tec tec do teclado, de uma forma natural, quase inconsciente.
Já no terceiro parágrafo, ainda não tinha a menor ideia do porque escrevia, muito menos sobre o que. Sob a luz artificial de uma lâmpada florescente a noite sequer chegava no quarto. Ele sabia que la fora, já era alta madrugada, mas ali dentro o tempo não parecia passar... Sempre a mesma temperatura, controlada pelo condicionador de ar. Sempre a mesma luz, nada de sol a pino ou noite sem lua. Os velhos violões encaravam-no como a esperar um bom texto, algo que pelo menos lembrasse os velhos tempos, os velhos textos. Os bons textos.
Nas últimas linhas sua cabeça doía tanto que os pensamentos pareciam chacoalhar perante o latejar das têmporas. O cheiro de sangue nas narinas era nauseante. A sensação de suar frio surgiu aos poucos na testa e nos braços. Baixou a temperatura do ar condicionado e desligou a luz, e ao terminar o texto, concluiu com a maior das tristezas que aquela seria mais uma tentativa vã. Bons textos não nascem em cativeiro...


Thiago M. Lacerda

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Reveillón

Naquele dia, completavam um ano e quatro meses. Não foi o melhor ano... Inpumeras brigas e discussões inúteis haviam afastada aquele casal apaixonado de outrora. A última parecia ter sido a gota d'água: A traição. Cerca de um mês antes ela havia descoberto a traição. Dias e dias de uma discussão sem fim.

- Porque? Eu não lhe dei tudo de que precisava? O que te faltou aqui? Amor? Carinho? Atenção? Sexo?
- Deixa pra lá...
- Como assim, deixa pra lá? Eu fui trocada e agora tu quer deixar pra lá?

E assim se seguiam discussões que começavam e terminavam sem nenhuma conclusão. Até que, cansado das evasivas, ele abriu o coração:

- É, realmente faltou alguma coisa sim! Compreensão e espaço! Eu sei que errei, mas foi a única forma de me fazer ouvir! Agora sim, tenho toda a atenção.
- Então era isso? Será que eu preciso dizer que não há mais nada entre nós então?
- Na verdade, acho que não... Eu te amo, e a única coisa que eu quero agora é estar novamente contigo... Prometo que...

Promessas... Era fim de ano, e essa era mais uma das promessas... Dessa vez, nada de emagrecer 5kg, estudar mais, ser mais atencioso. A promessa era não trair. Por outro lado, ela prometia prestar mais atenção nele. Mas o ato imperdoável da traição foi perdoado. Ele prometeu. Ela perdoou. Mas nada foi igual*.
Diante dos fogos de artificio, as promessas pareciam certezas. O show pirotécnico que iluminava a orla do Guaíba davam um tom quase profético aquela reconciliação. Senão profético, com certeza poético. 00h01min. Aos beijos, comemoravam o ano que viria, a reconciliação, e as promessas. 00h05min. Nos braços dele, ela se sentia já mais segura, pronta para enfrentar mais um ano. 00h07min. A felicidade dos dois parecia a melhor coisa no meio de tanta gente. Ninguém poderia se amar tanto. 00h10min. Nada mudou.


 Thiago M. Lacerda



*Trecho retirado da música Disco Rock, da banda Papas da Língua.