sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Artificial

Com as têmporas latejando, ele sentou-se à frente do computador. Há algum tempo não escrevia, mas de súbito sentia que naquele momento algo interessante sairia. Andara se perguntando se aquela tecnologia toda não espantava a criatividade. Na verdade, seu estilo não era aquele. Provavelmente uma maquina de escrever em quarto mal iluminado se encaixaria muito melhor em seus textos. Mas ali estava, olhando para aquela tela iluminada, onde as coisas apareciam e sumiam com facilidade.
A dor nas têmporas aumentou, e o cheiro de sangue surgiu de dentro das narinas. Não sabia exatamente o que escrever, mas a vontade de tal ato lhe impedia de ir dormir. Já eram quase três horas da manhã, e depois de um telefonema, o sono havia partido. Talvez toda aquela situação tivesse recuperado um pouco da inspiração. E de fato ela voltou, pois os dedos se mexiam de lá pra cá, no tec tec do teclado, de uma forma natural, quase inconsciente.
Já no terceiro parágrafo, ainda não tinha a menor ideia do porque escrevia, muito menos sobre o que. Sob a luz artificial de uma lâmpada florescente a noite sequer chegava no quarto. Ele sabia que la fora, já era alta madrugada, mas ali dentro o tempo não parecia passar... Sempre a mesma temperatura, controlada pelo condicionador de ar. Sempre a mesma luz, nada de sol a pino ou noite sem lua. Os velhos violões encaravam-no como a esperar um bom texto, algo que pelo menos lembrasse os velhos tempos, os velhos textos. Os bons textos.
Nas últimas linhas sua cabeça doía tanto que os pensamentos pareciam chacoalhar perante o latejar das têmporas. O cheiro de sangue nas narinas era nauseante. A sensação de suar frio surgiu aos poucos na testa e nos braços. Baixou a temperatura do ar condicionado e desligou a luz, e ao terminar o texto, concluiu com a maior das tristezas que aquela seria mais uma tentativa vã. Bons textos não nascem em cativeiro...


Thiago M. Lacerda

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