sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Bolha de cristal

Não sei ao certo quando esse sintoma começou, mas o fato é que certa noite a solidão havia tomado sua vida de tal maneira que desde então viveu calado, mudo, anestesiado.
A tarde quente caíra horas atrás e a noite ja se prolongava na sacada do apartamento. A Av. Central mantinha um fraco fluxo de automóveis e pedestres iluminados pelas luzes amareladas dos postes, dando assim um ar triste à tão moveimentada Capão. Nessa solitária sacada, uja noite parecia ainda mais avançada, um rapaz, deitado na rede, lia a página 357 de uma velha história. São as velhas histórias que tocam fundo no coração da gente, e ninguém sabe porque, mas marcam nossas vidas. A noite corria assim como as páginas do livro. Chegara na 394.
"Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade das miragens seria arrasada pelo vento e desterrada pela memória dos homens..."
Os mosquitos há muito não lhe tiravam a atenção, mas um especial tirou-o da leitura. Pousou em seu ombro, e sob o jugo de um tapa feroz, padeceu ali, deixando que seu algoz voltasse à leitura.
"... no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergamihos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetivel desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade na terra."
Chocado com o fim do imenso conto, sentiu um bater de asas sutil. Pensou no bater de asas das borboletas. Desviou o olhar do livro, e percebeu que na verdade eram bolhas de sabão que lhe rodeavam. Em cada bolha via um trecho de sua vida. As imagens passavam lentamente refletidas naquelas esferas. Porem, o reflexo da ultima mudou sua vida para sempre. Viu uma frase metalica na frente de um chafariz: Ad Verum Ducit*. Largou o livro, deixou-o em cima da mesa junto do celular e das chaves, saiu porta afora, e deixou para sempre aquele mundo de ilusões.

Thiago M. Lacerda

* Ad Verum Ducit, do latim, significa "Conduzir à verdade"

2 comentários:

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