Não sei ao certo quando esse sintoma começou, mas o fato é que certa noite a solidão havia tomado sua vida de tal maneira que desde então viveu calado, mudo, anestesiado.
A tarde quente caíra horas atrás e a noite ja se prolongava na sacada do apartamento. A Av. Central mantinha um fraco fluxo de automóveis e pedestres iluminados pelas luzes amareladas dos postes, dando assim um ar triste à tão moveimentada Capão. Nessa solitária sacada, uja noite parecia ainda mais avançada, um rapaz, deitado na rede, lia a página 357 de uma velha história. São as velhas histórias que tocam fundo no coração da gente, e ninguém sabe porque, mas marcam nossas vidas. A noite corria assim como as páginas do livro. Chegara na 394.
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Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade das miragens seria arrasada pelo vento e desterrada pela memória dos homens..."
Os mosquitos há muito não lhe tiravam a atenção, mas um especial tirou-o da leitura. Pousou em seu ombro, e sob o jugo de um tapa feroz, padeceu ali, deixando que seu algoz voltasse à leitura.
"... no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergamihos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetivel desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade na terra."
Chocado com o fim do imenso conto, sentiu um bater de asas sutil. Pensou no bater de asas das borboletas. Desviou o olhar do livro, e percebeu que na verdade eram bolhas de sabão que lhe rodeavam. Em cada bolha via um trecho de sua vida. As imagens passavam lentamente refletidas naquelas esferas. Porem, o reflexo da ultima mudou sua vida para sempre. Viu uma frase metalica na frente de um chafariz:
Ad Verum Ducit*
. Largou o livro, deixou-o em cima da mesa junto do celular e das chaves, saiu porta afora, e deixou para sempre aquele mundo de ilusões.
Thiago M. Lacerda
* Ad Verum Ducit, do latim, significa "Conduzir à verdade"