Lembro-me de uma vez em que, sentado na calçado, uma senhora perguntou-me se o frio não me chateava, não incomodava. Fico chateado quando a corda do meu violão arrebenta. Me chateio quando minha roupa rasga. Me incomoda quando o ônibus me dá uma banho na sargeta. Frio não me incomoda. Chuva também não me incomoda. Claro, não me arrisco nela. A pior coisa pra minha profissão é ficar resfriado. Ser vagabundo hoje em dia não é facil. Mas debaixo de uma marquise, Deus me dá o imenso prazer de observar uma obra de arte, um quadro em movimento. A chuva refletida nos postes antigos do centro de Porto Alegre é algo magnífico. Cada gota caindo sobre o paralelepípedo, dando-lhe maior relevo do que realmente tem, e em seguida escorrendo pela rua da Ladeira. Nem as árvores, que durante o dia cobrem os raios de luz, são capazes de conter a água que cai do céu. Acima disso tudo, a cruz. A imensa cúpula emoldurada pelo céu meio negro, meio cinzento, permanece lá, sólida, concreta, intacta, quase viva. Há alguém me observando. Não vejo vultos. Nem um movimento no alto do santuário enxarcado. Talvez seja alguém um pouco acima. Na moldura...
Thiago M. Lacerda
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